O âmbito jurídico que protege o público de abusos proferidos por pequenas, médias e grandes empresas ganhou notoriedade tanto com a disseminação do Código de Defesa do Consumidor quanto com casos de alarde.
Em março de 1991 entrou em vigor a Lei nº 8.078/90, responsável por regularizar as relações de consumo que defende quem compra ou contrata de possíveis erros ou violações por parte das empresas. No entanto, mesmo regularizando ditas relações, os desacatos continuam a acontecer em ambos os lados da moeda, seja pelo abuso do direito a reclamação por parte do consumidor ou pelo caráter punitivo das medidas adotadas pelas empresas quando elas se deparam com problemas.
De acordo com Dr. Marco Mello Cunha, da Tess advogados em São Paulo, “o problema está na banalização do caráter punitivo quando da valoração da quantia fixada para indenização por danos morais em casos como, por exemplo, a inscrição indevida de consumidores das empresas em cadastros de inadimplentes (SERASA e SPC).”
Em outras palavras, as repercussões sofridas pelo consumidor que é inscrito no SERASA ou SPC pelas empresas acabam sendo muito superiores às indenizações pagas pelas empresas quando a solução jurídica é buscada. As multas para esses casos permeiam a casa dos R$ 5 aos R$ 15 mil reais, valor ínfimo demasiadamente pequeno quando sobreposto aos lucros mensais da corporação em questão.
Já para o consumidor, a demora e a complexidade do processo de retirada do próprio nome desses cadastros inadimplentes costuma envolver desde a suspensão da entrega de talão de cheques ao cancelamento de linhas de crédito, como também dificuldades na locação de imóveis e contratação de seguros.
Os casos de embates legais entre os dois âmbitos – público e corporativo – englobam desde falhas administrativas até cobranças indevidas, incluindo furtos e roubos sofridos dentro do estabelecimento ou serviços adjacentes.
De acordo com Alexandre Dalla Bernardina, professor de Direito Civil da FDV, o maior impedimento para que o consumidor exerça plenamente seus direitos “é o judiciário sobrecarregado. Esse excesso vem da falta de estrutura, com acúmulo de ações, até a demora na tramitação” fazendo com que os próprios consumidores desistam do processo devido ao tempo médio para a resolução do problema. A seguir falaremos de casos recorrentes, e da resolução dos mesmos.
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“CADÊ MEU LAPTOP?!”
De acordo com o Artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor de serviços responde “pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeito relativos à prestação dos serviços.”
Nesse caso, a integridade e segurança tanto do veículo quanto de qualquer objeto deixado dentro do mesmo é considerado como responsabilidade do prestador de serviço, seja ele terceirizado ou contratado do comércio o qual o consumidor frequenta. O estabelecimento que disponibilizou o serviço, ou a empresa (terceirizada) responsável por providenciá-lo deve responsabilizar-se pela segurança, tanto do veículo em si quanto dos objetos nele deixados.
Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou a Churrascaria Roveda LTDA, restaurante tradicional da cidade de Garibaldi, a indenizar um cliente que teve o notebook e outros objetos furtados do interior de seu carro. A dúvida coube no fato do restaurante vender a ideia de “amplo estacionamento para sua comodidade” como proposta de valor para os seus clientes.
Nesse caso, mesmo que o restaurante não tivesse uma área fechada e destinada para os carros dos frequentadores, o relator do caso considerou que a comunicação incitava o uso do espaço como área adjacente à do comércio. Nesse caso, “há o elemento caracterizador da inspiração de confiança a quem vai ao restaurante, o que se mostra suficiente para demonstrar que deveria existir vigilância específica por parte do demandado”.
O restaurante foi condenado a pagar, em segunda instância, o valor de R$ 2.149,00 por danos materiais e R$ 3.000,00 por danos extrapatrimoniais. A cobrança dupla se deve ao fato do infrator ter arrombado as portas do veículo do cliente, fazendo com que ele necessitasse reparar os danos infringidos no veículo como também comprar novamente o notebook.
O resultado de ter uma ação dessa na mídia acaba repercutindo negativamente para o estabelecimento por dois motivos:
1 – os clientes futuros e presentes não se sentirão tão confortáveis em deixar os veículos na área comunicada como estacionamento do estabelecimento, por acreditarem que não há segurança, e
2 – para solucionar o problema, tanto de confiança quanto de mídia negativa, o restaurante terá de investir em uma campanha que restitua a confiança dos clientes nele, como também investir em infraestrutura para mostrar que uma solução foi buscada para providenciar maior segurança aos clientes. Nesses casos, não adianta apenas dizer que mudou para fazer com que os clientes voltem, mas também demonstrar que houveram mudanças na maneira como o serviço.
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BARRADOS NO BAILE
Quando a polícia é chamada, normalmente é porque a situação fugiu do controle dos envolvidos. E se um dos envolvidos fizesse parte dos trabalhadores fardados? Esse fato aconteceu em Belo Horizonte, no Botequim São Firmino, marco da vida noturna mineira.
O envolvido foi convidado à festa de aniversário de uma amiga, realizado no local supracitado. Ao chegar vestindo jeans e uma camiseta com o nome de outra boate, mesmo sabendo que o bar possui uma política de vestimenta “esporte-fino”, ele foi barrado.
Por mais que os envolvidos tentaram solucionar a questão, oferecendo uma camisa do bar para que o convidado pudesse frequentar a festa, este recusou e disse que não queria por causa da situação. Mesmo perdendo a cabeça, visando coagir a equipe do bar a dobrar as regras através da pressão, nada foi solucionado, como também ele não foi indenizado por nada, visto que não havia ilegalidade no ocorrido.
Foi comprovado que o estabelecimento possuía um cartaz, na entrada, avisando sobre a norma de “não permitir a entrada de pessoas trajando camiseta regata, camiseta de time, camiseta promocional, bermuda e chinelo”. O aviso foi suficiente para que o juiz mantivesse a decisão em favor do comércio em questão, e a reação dos atendentes e seguranças envolvidos foi cordial ao ponto de não significar em consequências negativas pelas mídias sociais. O convidado era o único com trajes que não condiziam às normas do estabelecimento, mesmo tendo previamente frequentado o bar em “3 ou 4” ocasiões, segundo os relatos.
Muitas vezes os consumidores tentam abusar do direito deles, visando regalias e exceções que os beneficiariam. Nesses casos, mantenha a calma e mantenha-se firme, de acordo com as regras pré-estabelecidas da casa. Evite filmar a cena com celulares e invista em câmeras de segurança, pois o ato tende a irritar os envolvidos. No final das contas, os consumidores vão lhe parabenizar pela maneira com a qual a equipe abordou a situação, evitando o constrangimento ou sensação de insegurança dos consumidores presentes no estabelecimento ao manter a confusão fora do mesmo.
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ENTRADINHA QUE SAIU CARO
Sentar-se na mesa de uma churrascaria, normalmente, é quase um sinal para que os atendentes tragam uma enxurrada de petiscos, entradinhas e pastas, sem contar os pães.
A surpresa de ver esses itens cobrados ao pedir a conta costumava ser negativa, especialmente porque, há pouco tempo atrás, os garçons nem perguntavam antes de trazer ditos tira-gostos. Imagine se você então, que além de não ter pedido a “entradinha”, recebesse uma entrada (nesse caso, uma porção de frango com catupiry) que não foi pedida, e ainda tivesse que pagar, mesmo não querendo comê-la?
Isso aconteceu em Minas Gerais, em um churrascaria de Belo Horizonte. Após ter dito que não havia pedido o petisco, o gerente se dirigiu à mesa do consumidor para tentar solucionar o problema. O que foi feito consta como a manifestação do extremo oposto, chamando policiais para resolverem o ocorrido por falta de habilidade do próprio gerente em chegar a um acordo entre ambas as partes.
Os policiais, que já conhecem os direitos do consumidor (mil vezes melhor que o gerente em questão), sugeriram que o cliente pagasse apenas o que tinha consumido. Já, o dono do estabelecimento, ao descobrir o ocorrido, ofereceu vouchers para tentar amenizar a situação.
O problema já havia explodido, a condução do cliente pelos policiais para fora do estabelecimento já caracterizava danos morais, especialmente pelo fato do cliente estar acompanhado de amigos e uma criança de 8 anos. Os vouchers de nada ajudaram, e o valor total pago pelo estabelecimento ao consumidor chegou a R$ 4.000 (muito superior ao valor da porção, sem dúvida).
A pior parte, para o estabelecimento, não foi pagar a multa, mas perder um cliente fiel e ter o nome do restaurante prostrado pelas mídias sociais como abusivo. Não somente, sempre que é realizada uma busca online pelo restaurante, aparece a notîcia na primeira página do site de pesquisa, fazendo com que possíveis consumidores, como também clientes fiéis, deixem de frequentar o local.
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“CARA, CADÊ MEU CARRO?”
Em 1997 houve um caso que poderia ter aberto precedente para restaurantes serem isentos da relação de responsabilidade pelos objetos deixados sob os seus cuidados. Nesse caso, o restaurante envolvido foi o La Tambouille, em São Paulo (SP).
O caso envolvia o roubo à mão armada do carro de uma cliente dentro do estacionamento do local e, como no Código de Defesa do Consumidor a responsabilidade por furtos, danos e roubos recai sobre o comércio (ou da empresa responsável pelo serviço terceirizado), a conta, em teoria, deveria ter sido paga pelo restaurante.
No entanto, a ação referente à repartição dos custos foi encabeçada pela seguradora do carro, no caso a Porto Seguro. Por este motivo, a decisão do STJ entendeu que, como não havia uma relação de consumo entre a seguradora e o restaurante, como também pelo fato do roubo se enquadrar em caso fortuito (força maior) e portanto não poderia ter sido evitado.
O problema dessa decisão é que, se a ação tivesse sido encabeçada pela própria consumidora, o resultado significaria na isenção de responsabilidade do estabelecimento por um ato que, infelizmente, é comum no país no qual vivemos.
Ou seja, toda vez que alguém aparecesse armado no estacionamento de um comércio, o comércio não precisaria ressarcir os consumidores que foram lesados pela falta de segurança nos locais. Isso, sem dúvida, abriria um precedente que tornaria os investimentos em serviços adjacentes em valores mínimos para a concepção de dito serviço, sem necessitar investir em segurança e atendimento. Nesse caso, a relação de consumo seria pautada na insegurança, onde até mesmos furtos e roubos dentro do próprio estabelecimento poderiam ser considerados “casos de força maior”.
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Agora que você sabe os danos legais desses fatos corriqueiros, você sabe o quanto vai doer no bolso… ou não? Os danos financeiros que repercutem pela manifestação de mensagens negativas em mídias sociais é muito pior que qualquer indenização que você terá que pagar.
Com o advento e explosão das mídias sociais, não há como escapar da repercussão pública, especialmente quando qualquer mensagem está a 3 compartilhamentos de 1.500 outros possíveis clientes (e isso apenas no círculo social mais próximo da pessoa em questão). Entender o que o cliente tem direito, e a melhor maneira de abordá-lo (independente de quem tenha razão) é o ideal a se investir hoje em dia.
Quer saber mais sobre o que você pode fazer para evitar com que esses casos aconteçam no seu estabelecimento? Leia o post: Direito do Estabelecimento: A Arte de Evitar Justa Causa.